Poucos países podem oferecer roteiros turísticos com tanta diversidade de opções, aliados a um clima tão favorável, como o Brasil. Mesmo assim, de acordo com o ranking da Organização Mundial de Turismo, em 2015, o país recebeu 6,3 milhões de visitantes, enquanto a França, primeira colocada, recebeu, no mesmo ano, 84 milhões. Certamente, há múltiplas razões para tal diferença entre os dois países. Uma, dentre elas, apesar de muito importante, recebe pouquíssima atenção do poder público no Brasil: o cuidado com a gerência da paisagem.
Muito embora seja unanimidade acreditar que, tanto a paisagem natural (matas, jardins, rios, etc.) como a modificada pela ação humana (casas, edifícios, rodovias, etc.) necessitam de atenção e devem estar incluídas em projetos públicos de preservação, ainda são insuficientes as iniciativas que pensem a paisagem na perspectiva da sua recepção. Um viajante registra no seu celular ou em sua máquina fotográfica centenas de imagens. Muitas logo serão postadas em redes sociais, blogs, aplicativos de comunicação, entre outros recursos virtuais e serão determinantes na formação de opiniões sobre os locais fotografados. Neste sentido, caberia indagar: como desejamos observar uma praça, um monumento, uma montanha e tantos outros elementos integrantes das nossas incontáveis paisagens?
Para exemplificar, temos duas fotografias para comparação. A fotografia original foi feita na cidade de Antonina, litoral do Paraná, no dia 4 de agosto de 2014. Na sequência, vemos a mesma fotografia, na qual foram feitos retoques e eliminados da cena dois postes e os cabos de eletricidade e comunicação. Qual das situações retratadas mais nos agrada e mais agradaria mostrar a um eventual visitante da cidade?
Igreja de São Benedito
Antonina, Paraná
Em seguida, para comparação, vemos algumas fotografias feitas na França e em Portugal, sendo duas em Paris, uma na cidade de Giverny – onde se localiza a casa onde morou o artista impressionista Claude Monet – e a última na cidade do Porto. Nas cidades europeias, em geral, os cabos de eletricidade e comunicação ficam sob o solo. Só este detalhe já reduz substancialmente o ruído visual, permitindo uma radical mudança na percepção da paisagem, sem contar outros benefícios. Note-se ainda, nas imagens, as alternativas utilizadas para a iluminação pública, principalmente a preocupação com o adequado design das luminárias, dos postes de iluminação e sinalização, bem como, a opção por reduzir a instalação de postes em benefício de luminárias fixadas nas fachadas das construções.
Soluções simples e perfeitamente aplicáveis às cidades brasileiras – inclusive com baixo investimento no caso de cidades históricas importantes e de menor porte, como são exemplos no Paraná: Antonina, Morretes, Paranaguá, Lapa, entre outras – com indiscutíveis benefícios não apenas para o turismo, mas para a saúde, a segurança e a educação.
São fáceis de encontrar pelo Brasil exemplos de absoluta irresponsabilidade na administração do bem comum. A ganância, a especulação imobiliária sem medida, a falta de empatia, o desrespeito ao legado de outras gerações, levam ao diário desprezo pelo patrimônio natural e material. Conhecer direitos e deveres é requisito básico para o pleno exercício da cidadania. Apesar de muitos países possuírem legislação dedicada ao direito a paisagem, o tema, nessa perspectiva, ainda é pouco conhecido e debatido entre nós, apesar de cada dia mais urgente.
Como se viu, um aplicativo de computador pode dar conta, com um pouco de paciência, de alterar uma paisagem, porém, para uma solução duradoura e socialmente sustentável é necessária uma interferência cidadã consciente de seus deveres e exigente de seus direitos, inclusive do direito de usufruir de uma paisagem administrada com bom senso.
______________________________
“ Gestão da paisagem designa a ação visando assegurar a manutenção de uma paisagem, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, no sentido de orientar e harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, económicos e ambientais. ”
Convenção Europeia da Paisagem. Capítulo 1º, item e.
O nome real do nosso descaso com a paisagem, Humberto, chama-se “escracho”. Somos um país de gente escrachada que não merece a paisagem que tem. As fotos de Antonina provam que não é preciso comparar com a Europa – bastaria um mínimo de atenção por parte dos administradores. Mas nem só deles: como povo, temos que levantar do “berço esplêndido” e começar a fazer as coisas direito, e exigir outro tanto. Como já comentamos outras ocasiões, por aqui precisamos de uns 500 anos de civilização. Talvez mil.
Key