Se o design gráfico pode salvar sua vida, é também, em alto grau, capaz de matá-lo. Essa é a mensagem conflitante no âmago de uma nova e poderosa exposição no museu Wellcome Collection, que explora o complexo relacionamento do design gráfico com a saúde, a medicina e o mundo das grandes empresas farmacêuticas – e as diferentes escolhas éticas que os designers fazem.
Figura 1. Selos anti-tabagismo. Fotografia: Wellcome Library, Londres
A exposição abre com uma seção contundente, onde as tentativas sedutoras e lucrativas dos criadores para vender tabaco ao longo dos anos são combinadas com seus esforços igualmente inteligentes para encorajar as pessoas a impulsionarem o hábito. Encontramos aí o emblemático círculo frontal do Lucky Strike (figura 2) criação de Raymond Loewy – reproduzido em camisetas e bonés de beisebol – ao lado da campanha da Silk Cut planejada por Charles Saatchi no início da década de 1990. Os painéis brilhantes, com fotografias luxuosas de meadas de seda roxa sendo cortadas e fatiadas, foram uma resposta engenhosa às restrições crescentes a propaganda de tabaco que proibiam explicitamente mostrar as marcas. Em vez disso, as composições cada vez mais surrealistas e impenetráveis de seda e metal polido ofereceram uma recompensa aos cognoscenti capazes de decifrar a mensagem codificada. As vendas da Silk Cut dispararam, seus leais clientes foram atraídos pela perspectiva de colecionar as obras de arte reproduzidas nos cartões em miniatura.
Figura 2. Embalagem e página de propaganda do cigarro Lucky Strike
Em contraposição, conhecemos o resultado de uma pesquisa de mercado feita pela agência GfK para encontrar “a cor mais feia possível” para aplicar nas novas embalagens de cigarros na Austrália, atendendo a uma decisão governamental de 2012 que proibiu identificar, nas embalagens de tabaco, a marca do fabricante. A agência apontou a cor Pantone 448C – sobre papel “couché opaco” – uma tonalidade escura de castanho esverdeado (Figura 3). A tonalidade enlameada agora é usada nas embalagens para cobrir 25% do espaço que não foi ocupado com fotos sangrentas de pulmões com alcatrão e gengivas apodrecidas. Parece ter tido o efeito desejado. Um relatório do governo australiano estimou que o número de fumantes caiu em mais de 100 mil nos três anos após a introdução das novas carteiras marrons doentias.
Figura 3. Pantone 448C e o design para a carteira de cigarros padronizada.
Fotografia: AFP/Ash (Reino Unido)
A Organização Mundial da Saúde pediu a todos os governos o compromisso de adotarem modelos semelhantes de embalagens, consolidando firmemente o papel do design gráfico como um campo de batalha fundamental na guerra contra o tabagismo. Design vende, mas também pode afastá-lo de contrair um câncer.
Figura 4. Cartaz britânico de 1941 contra a malária.
Fotografia: Wellcome Library, Londres
A exposição está cheia de outros exemplos do poder provocativo dos projetos gráficos em mensagens de saúde pública, como da famosa campanha de conscientização “Aids, Não Morra de Ignorância” – que na década de 1980 entregou a todas as famílias do Reino Unido um folheto simulando uma lápide (Figura 5) –, ou da campanha televisiva Kill Jill, elaborada para incentivar a doação de órgãos na Escócia. Propondo ao espectador escolher matar ou salvar alguém, ao decidir se deseja ou não se inscrever como doador, a campanha sofreu uma série de queixas. Mas a estratégia de choque foi recompensada: o registro de doadores aumentou em 300%.
O sensacionalismo tem seu efeito, mas a exposição também demonstra a capacidade dos designers gráficos de informar e explicar com sutileza e sofisticação. A seção dos hospitais inclui uma iniciativa da agência de design PearsonLloyd, com o objetivo de reduzir a violência causada pela frustração em consequência dos atrasos sem explicação nos atendimentos a acidentes e emergências. Os designers instalaram uma série de painéis com informações claras em todas as áreas de atendimento de acidentes e emergências, explicando todas as etapas do processo, desde a sala de espera até a triagem e consulta, que também previa tempo de espera. Após um experimento de um ano, os incidentes violentos diminuíram 50%.
Figura 5. Mala direta da campanha “Aids, Não Morra de Ignorância”
Uma solução óbvia similar revela-se na forma das “communicards ” (figura 6) desenvolvidas pelos designers Poulin+Morris na década de 1980. Com cartões codificados por cores com pictogramas simples, os pacientes puderam se comunicar com os médicos, identificando o tipo de dor, sua localização e gravidade, sem requerer linguagem falada. Introduzido pela primeira vez em Nova York, eles estão em uso em 150 hospitais dos Estados Unidos.
Figura 6. “Communicards”
Se a capacidade do design gráfico para transcender as barreiras linguísticas é o tema principal, isto fica particularmente evidente na seção sobre o crescimento das grandes empresas farmacêuticas, impulsionadas pela necessidade de diferenciar suas marcas com uma forte identidade visual. Vemos o desenvolvimento da marca da Bayer (Figura 7), cujo logotipo circular pode ser facilmente marcado em suas pílulas de aspirina e a bela embalagem da gigante suíça Geigy, que contratou os principais designers das décadas de 1950 e 1960 para desenhar imagens abstratas planas para suas caixas de remédios – as quais podem provocar você a se viciar apenas nas caixas. Na embalagem de Petrofran (figura 8), para “resolução rápida de estados depressivos”, uma bola e uma corrente correm ao redor da caixa. As argolas da corrente são triunfalmente quebradas quando uma tira perfurada é retirada para abrir a embalagem.
Figura 7. Marca da Farmacêutica Bayer
Figura 8. Embalagem do medicamento Petrofran
Em última análise, é natural que a exposição se realize no museu Wellcome Collection, já que Henry Wellcome – cuja empresa primeiro patenteou fabricar remédio em forma de comprimido, na década de 1880 – foi um dos comerciantes mais experientes de seu tempo. Com base em um fundo de vendas, foi o primeiro a estabelecer a prática de marketing direto para os médicos. A partir de 1890, ele também começou a dar agendas como brindes promocionais, iniciando a prática das empresas farmacêuticas derramarem mercadorias entre os médicos – o que ajudou a manter as gigantes da droga e seus designers nos negócios desde então.
• A exposição O design gráfico pode salvar sua vida? Fica no museu Wellcome Collection, em Londres, até 14 de janeiro de 2018.
Figura 9. Cartaz criado para a Cruz Vermelha Holandesa,
por Dick Bruna em 1986.
Fotografia: Wellcome Library, London
Reportagem de Oliver Wainwright publicada
no The Guardian online.
Tradução José Humberto Boguszewski.
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