Em dezembro de 1975, concluí os cursos de Bacharelado em Pintura e Licenciatura em Desenho na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Até me formar, durante quatro anos, frequentei o prédio localizado na rua Emiliano Perneta, 179, no centro de Curitiba. Já então, a direção da escola lidava com a falta de espaços adequados às atividades de ensino, pesquisa e extensão dos cursos superiores de artes plásticas e música e do curso fundamental de música.
Enquanto estudante e depois de formado, por várias vezes, fui testemunha de iniciativas da comunidade acadêmica para encontrar um local mais adequado às instalações da escola. Todas elas, por variados motivos, frustradas. Até que a ação do tempo agiu a seu modo.
Por duas vezes a EMBAP precisou mudar de endereço às pressas. Na primeira vez, para um prédio alugado na rua Trajano Reis, próximo ao Cemitério Municipal, onde ficou até retornar à própria sede depois de concluídas algumas reformas. Na segunda vez, novamente precisou ser evacuada às pressas por risco de desmoronamento de parte de suas instalações. Em março de 2010, lia-se em página na internet da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que “a instituição muda de endereço provisoriamente para ampliação da sede”, e que “o objetivo final é restaurar as instalações e construir um novo prédio com 12 andares”. Informava ainda que “os projetos já estão em andamento e a estimativa é que a licitação da construção aconteça na metade deste ano”. Nada aconteceu e a escola não retornou ao antigo prédio que, em pleno centro da cidade, permanece fechado há 8 anos. Por enquanto, ocupa, vergonhosamente, três prédios alugados. Digo vergonhosamente porque a Escola de Música e Belas Artes do Paraná, forma com a Universidade Federal do Paraná e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná – antigo CEFET – o grupo das três mais antigas e importantes instituições públicas de ensino superior e técnico do Paraná. Patrimônios institucionais e simbólicos de nossa cultura, memória e identidade.
Quatro décadas não foram suficientes para que os sucessivos governantes do estado entendessem e valorizassem a situação particular dessa instituição. Da mesma forma, esse tempo foi escasso para que professores, técnicos-administrativos, estudantes, ex-professores, ex-técnicos-administrativos e ex-estudantes lograssem melhor sorte para a EMBAP. Certamente, são múltiplas as causas que levaram ao quadro atual. O descaso de parte da nossa classe governante com a cultura e a educação podem ser relacionadas entre elas. Senão cabe relembrar.
Eu ainda circulava pelos corredores da EMBAP, em seu endereço da Rua Emiliano Perneta, 179, quando ouvi, pela primeira vez, que a escola iria mudar para o vizinho prédio do Instituto de Educação, que por sua vez, mudaria para instalações então em construção no Centro Cívico, em prédio projetado por Oscar Niemeyer. Esse edifício, destinado a abrigar o Instituto de Educação, foi projetado em 1967, no governo de Paulo Pimentel e só foi inaugurado em 1978, no governo de Jayme Canet Junior, então com outra destinação. Não surpreende que alguns políticos tenham julgado um absurdo destinar à educação tão eloquente obra. Como resultado foram parar lá algumas secretarias de estado e o lugar amargou um destino indefinido até ser transformado no museu “do olho”. O Instituto de Educação continua no mesmo prédio até hoje, sujo e malconservado. A Escola de Música e Belas Artes do Paraná, infelizmente, como vimos, não teve a mesma “sorte”.
Em 1979, em cerimônia no Palácio Iguaçu, com a presença do então Diretor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, o professor Fernando Calderari, o governador Ney Braga destinou oficialmente o terreno e as instalações da fábrica de velas Estearina Paranaense, localizada no Centro Cívico, para a implantação da nova sede da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. A alegria durou pouco. Como registrou, tempos depois, o jornalista Aramis Millarch, em sua coluna no jornal O Estado do Paraná, “o então todo poderoso secretário de Planejamento do governo Ney Braga, Véspero Mendes, vetou o projeto, com a ridícula alegação de que não era conveniente ter ‘concentração de estudantes’ na área do Palácio Iguaçu (sic, sic). ” Cabe lembrar que, à época, prefeitos e governadores eram ditos “biônicos”, pois escolhidos indiretamente pelo governo militar, o que explicaria a preocupação com estudantes muito próximos dos impostos governantes. O prédio da Estearina não existe mais. No local, hoje se encontra o Parque João Paulo II, conhecido entre os curitibanos como o “Bosque do Papa”.
Mais recentemente, em dezembro de 2014, uma reportagem no jornal Gazeta do Povo, assinada por Isadora Rupp, trazia em manchete que: “Surge um fim possível para a ‘saga’ da sede da Escola de Música e Belas Artes”. Na matéria, lia-se que ” dividida em três prédios alugados, no centro da cidade (locações que custam mais de R$ 1 milhão por ano), a escola deve funcionar no atual prédio da Ambev, no bairro Rebouças (a empresa se mudará para Ponta Grossa). A possibilidade anterior, de instalar a escola junto do Centro de Criatividade, não foi adiante”. Na sequência o secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior repete a mesma ladainha de sempre. Diz que “a intenção é, já no ano que vem, realizar um projeto para reforma, restauro e adequações necessárias para abrigar EMBAP e FAP juntas”. A mudança para o local da Ambev, explica, seria gradual. “Primeiro, nós adequaríamos algumas áreas para depois, acredito que ao longo de quatro ou cinco anos, concentrar todas as atividades no prédio.” Já se passaram quatro anos e até agora nada. A mesma reportagem da conta de um “plano B” que seria a viabilização de um projeto do arquiteto Roberto Gandolfi, elaborado nos anos 1980, para construção de uma sede nova para a EMBAP onde hoje está o Departamento de Gestão do Transporte Oficial.
Aos casos relatados acima podem ser acrescentados outros. Para a sede da EMBAP já foram cogitados os prédios do antigo quartel que se localizava na Praça Rui Barbosa; o prédio do antigo Lar das Meninas, na rua Jacarezinho, no bairro Mercês, hoje Museu da Vida; o atual prédio do Museu de Arte Contemporânea, entre outros.
Em 2018, a Escola de Música e Belas Artes do Paraná completa 70 anos de existência, abandonada pelo irresponsável descaso do poder público. Para marcar a data realiza-se uma exposição no Museu Paranaense. Com todo o respeito ao Museu Paranaense, penso que a EMBAP merecesse muito mais.
Como consolo serve a frase de Nietzsche: “Temos a arte para não morrer da verdade.”
Quando saio do país, sempre evito de me identificar como brasileiro: tenho vergonha de ser do país do “futebol, carnaval e praia”. E cada vez essa vergonha aumenta mais, na medida em que o mundo assiste ao despudor e impunidade dos nossos políticos, que mantém nosso potencial à mercê das crises articuladas para concentrar renda e eliminar a cultura, com seu poder conscientizador. Tanto que, ameaçada a “crise”, a primeira providencia, todos sabemos qual será: cortar as verbas da cultura. Incêndio no Museu Nacional e outros bens patrimônio do povo brasileiro, descaso com uma escola importante como a EMBAP – são a prova de que se quer um rebanho dócil e não um povo, e está em toda parte. Achar que não tem jeito é acomodação.
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